segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Saúde Bucal e Envelhecimento - Dra. Cecília Aguiar




É fácil entender que, quanto mais tempo vivemos, maior a exposição de nosso corpo a agressões. Porém, envelhecer não é sinônimo de doença e, conforme for a nossa resposta a fatores lesivos, será a nossa saúde. Isso se aplica também à nossa saúde bucal, que é reflexo de um conjunto de fatores ao longo da vida, como acesso à atenção odontológica, rotina de higiene bucal, alimentação... Assim, o envelhecimento natural ou saudável vem junto com algumas mudanças na boca, como dentes mais escuros e retração gengival, mas não inclui perder dentes, diferente do que muitos pensam. Usar dentaduras, ter pouca saliva, sentir alterações de paladar ou a sensação de queimação na boca (Síndrome da Ardência Bucal), embora frequentes com a idade, fazem parte de um envelhecimento patológico, chamado de senilidade.

Nesse sentido, algumas doenças, como a doença de Parkinson e o Alzheimer, em estágios avançados, prejudicam a coordenação motora e a cognição, tornando o portador da alteração dependente de outras pessoas para a realização de cuidados básicos, como higienizar a boca. Nesse momento, é necessária a colaboração dos familiares e cuidadores e, embora todos os dias higienizemos nossas próprias bocas, pode ser desconfortável ou chocante o ato de visualizar ou higienizar a boca de um idoso dependente, especialmente quando as condições de saúde bucal não são boas. 

Frente ao exposto, criar oportunidades para observar a boca do seu ente querido, sempre que possível, e buscar respostas com profissionais da saúde é, sem dúvida, uma manifestação de carinho. A odontogeriatra Cecília Aguiar aborda estas e outras questões que são do interesse de todos nós, ressaltando que a prevenção é sempre o melhor caminho.


Revista Suas Raízes - O que é a Odontogeriatria e por que ela é tão importante na velhice?

Dra. Cecília Aguiar - A Odontogeriatria é a especialidade da Odontologia voltada para a atenção à saúde dos idosos, prevenindo e tratando os problemas comuns a essa faixa etária. O paciente idoso pode necessitar atenção individualizada, devido a problemas acumulados ao longo da vida, ao maior uso de medicamentos e seus efeitos colaterais, ao risco aumentado de desenvolver problemas bucais e, principalmente, ao fato de estes problemas afetarem negativamente a saúde como um todo, favorecendo doenças como as pneumonias, infecções cardíacas e influenciando no controle do diabetes e na progressão das terapias antineoplásicas.


Revista Suas Raízes - Quais são as alterações mais frequentes em relação à saúde bucal dos idosos?

Dra. Cecília Aguiar - Os problemas bucais que se destacam nessa faixa etária com maior prevalência são: neoplasias bucais (câncer de boca), alterações gengivais, cáries radiculares, desgastes e perdas dentárias, hipersensibilidade dentinária, retração gengival, hipossalivação (redução da quantidade de saliva), ardência bucal, alterações no paladar, xerostomia (sensação de boca seca) e halitose (mau hálito).


Revista Suas Raízes - É frequente que a causa do mau hálito esteja relacionada a problemas estomacais?

Dra. Cecília Aguiar - A halitose (mau hálito) é uma alteração na qualidade do ar expirado pela boca e pelas narinas que sinaliza que algo está em desequilíbrio no organismo.  30% das pessoas já tiveram, têm ou terão o problema, de forma crônica, ao longo da vida.
Diferente do que a maioria das pessoas pensam, o estômago raramente é a causa do mal hálito, correspondendo a cerca de 1% dos casos de halitose crônica. Embora seja possível, a halitose estomacal é rara, justamente em virtude da anatomia do estômago, que possui três válvulas que dificultam o retorno dos alimentos e, com isso, de seus cheiros. Além disso, a fisiologia da digestão inclui os movimentos peristálticos, que são exclusivamente em direção da boca aos intestinos, e não o contrário.
Muitas pessoas acreditam que o mau hálito vem do estômago porque ele costuma aliviar ou até sumir depois que se alimentam. Isso acontece pois, ao ingerir alimentos, os níveis de glicose sanguíneos se equilibram e acaba o hálito cetônico, fruto do jejum prolongado. Além disso, após comer, o sistema nervoso central determina que as glândulas salivares aumentem a produção de saliva (detergente natural da boca), o que ajuda a eliminar as bactérias bucais responsáveis pelo mau halito de origem bucal.
Na verdade, cerca de 90% dos casos de halitose têm origem na boca. Isso acontece quando há condições bucais que permitem que as bactérias da região proliferem com maior rapidez e produzam gases mau cheirosos, que são eliminados junto com o hálito. Em caso de halitose crônica, é necessário realizar uma avaliação com um profissional qualificado para descobrir as causas e poder realizar um tratamento eficiente e duradouro.


Revista Suas Raízes - Por que é importante aos idosos realizar o exame de sialometria (exame da saliva)?

Dra. Cecília Aguiar - A saliva é uma secreção de importância fundamental para a saúde, pois auxilia no preparo dos alimentos para a digestão, umidifica os tecidos bucais, favorece a cicatrização, possui propriedades antissépticas e contribui para a autolimpeza bucal, de modo que alterações em sua quantidade ou qualidade podem explicar vários problemas bucais (mau hálito, restaurações que mancham com frequência, progressão rápida de cáries, sensação alterada de paladar, infecções bucais, dificuldade em usar próteses, desconforto para engolir alimentos secos, engasgos frequentes, sensação de ardência bucal e xerostomia. Este exame mede a quantidade de saliva produzida num determinado intervalo de tempo (fluxo salivar), como também outros parâmetros, dentre os quais a qualidade da saliva, incluindo o pH, a presença de turbidez, a coloração e a fiabilidade. Os valores encontrados são comparados com valores de referência e, em caso de alterações, são realizadas orientações e prescrições a fim de restabelecer os padrões de normalidade.


Revista Suas Raízes - Por que a xerostomia (sensação de boca seca) é tão comum entre os idosos?

Dra. Cecília Aguiar – A xerostomia em idosos frequentemente é decorrente de redução do fluxo salivar, que ocorre devido à baixa ingestão de líquidos ou como efeito colateral de medicações, dentre as quais os antihistamínicos, descongestionantes nasais, medicamentos para hipertensão, drogas para incontinência urinária, medicações contra doença de Parkinson, ansiolíticos e antidepressivos.
Nesse sentido, é importante buscar a hidratação adequada, não vinculando o hábito de beber água à sede, pois, à medida que envelhecemos, a área do cérebro que sinaliza a sede, chamada “centro da sede”, fica menos ativa. Existe uma conta para medir a quantidade diária de líquidos necessária a uma boa saúde, que é de 35ml de líquidos para cada kg de peso, lembrando que na conta não entra apenas água, mas líquidos em geral.
Outra consideração importante é evitar a automedicação medicação e a polifarmácia, informando sempre ao médico responsável pela pessoa todos os medicamentos consumidos, de modo que este possa realizar os ajustes necessários. Além disso, em caso de sensação de boca seca, é fundamental conversar com o médico, pois às vezes é possível modificar a medicação e, como isso, resolver a queixa de secura bucal.


Revista Suas Raízes - Como devemos nos atentar para este sintoma?

Dra. Cecília Aguiar - A xerostomia pode gerar sintomas como dor de garganta constante, sensação de queimação, problemas com a fala, dificuldade para engolir, rouquidão ou vias nasais secas. Com o ressecamento da mucosa bucal, os tecidos moles da boca são irritados e ficam suscetíveis à infecção. Não havendo saliva adequada para lubrificar a boca, remover os alimentos e neutralizar os ácidos produzidos pela placa, pode ocorrer um “surto” de cárie dentária.


Revista Suas Raízes - Isso pode ocorrer também com pessoas mais jovens que fazem o uso dos mesmos tipos de medicamento?

Dra. Cecília Aguiar - Sim, a sensação de boca seca pode acontecer em qualquer faixa etária, mas os idosos são mais susceptíveis. Explicamos isso com o conceito de “reserva funcional”, que é a capacidade de reagir a estímulos lesivos. No jovem, a reserva funcional é alta, de modo que os efeitos colaterais de medicamentos são mais leves ou sutis. Já no idoso, a reserva funcional é menor, de modo que a mesma dose de determinados medicamentos pode causar efeitos colaterais mais numerosos ou intensos.


Revista Suas Raízes - O que é Síndrome da Ardência Bucal e quais são as suas possíveis causas?

Dra. Cecília Aguiar - A Síndrome da Ardência Bucal (SAB) é uma condição caracterizada pela sensação de queimação da mucosa bucal, sem que uma causa física possa ser detectada. Causando dor e desconforto, os sintomas podem ser constantes ou intermitentes. Diversos fatores são apontados como possíveis desencadeadores, como deficiências nutricionais, diabetes, alterações na tireoide e bruxismo (ranger de dentes). Muito se discute sobre a participação de fatores psicogênicos como ansiedade e depressão. Contudo, as evidências atuais indicam fortíssima associação com alterações na salivação, tanto em relação à qualidade quanto à quantidade. As afecções bucais podem influenciar toda a saúde e devemos discutir esse tema com uma visão ampla. Viver bem é ter saúde física, espiritual e mental. Um sorriso saudável é importantíssimo para que esse equilíbrio seja mantido.


Dra. Cecília Aguiar
Especialista em Odontogeriatria
Mestrado em Saúde Coletiva
Membro da Comissão de Odontologia Hospitalar CRO-RN
Presidente da Associação Brasileira de Halitose (ABHA)


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