quinta-feira, 28 de julho de 2016

"É hora de dar tchau"





Toda mudança requer uma boa dose de desapego. O fechamento de ciclos é uma porta de entrada para o novo, momento que induz reflexões, nos faz repensar aquilo que acertamos e erramos, no que pode e deve ser transformado, no que faz sentido e é realmente importante para nós. Estou arrumando minha pequena bagagem. Nos últimos dias tenho resolvido tudo que é possível para deixar o mínimo de pendências e selecionado o que é essencial para um novo começo de vida.


Nossa, como isso mexe com a gente... De forma alguma pelos objetos, mas pelas recordações de vida e por tudo que cada atitude tomada representou e representa num nível mais profundo. Eu não tenho muita coisa, nem gosto mais de acumular bagulho, mas o que ficou nesse mundinho que chamo lar, os relacionamentos de todas as naturezas, tudo que me cerca, contam a minha própria história. Mesmo acreditando ser possível escrevê-la muito melhor, mudar um roteiro construído por tanto tempo é estranho e bom. Daí a gente vê como se apega àquilo que nem está lá essas coisas e às vezes até ao que está bem ruim. É a tal da zona de conforto, que faz com que o péssimo vire algo suportável, na medida em que nos acomodamos. Em determinados momentos da vida precisamos ser adaptáveis às adversidades, porque naquela hora não houve como ser diferente, só que tudo tende a mudar, e esse mesmo sentimento pode nos impedir de enxergar que a vida é feita de transformações e possibilidades. Não podemos duvidar que exista outras realidades diferentes daquela a que nos acostumamos. 

Acredito que dentro de cada um de nós exista um impulso para o bom e para o bem, da mesmíssima maneira que uma plantinha cresce em direção à luz do sol. Mais por intuição que guiada pela razão, segui firme nesse caminho e coisas foram acontecendo internamente e externamente. Até que num determinado dia chegou a minha hora de dar tchau.

Nesse momento me lembrei dos Teletubbies e daquele básico que tentei ensinar aos meus filhos, estimulando-os a dar tchau pra tudo, numa época em que nem me passava pela cabeça o significado simbólico e educativo que isso tem. Porque dar tchau nada mais é do que se desapegar e abrir espaço para o novo. Me lembro de um deles que gostava de dar tchau até pro cocô antes de dar a descarga. Só agora percebi que foi muito difícil aprender a dar tchau pros cocôs dessa vida. Eu me apeguei às coisas que pensei que soubesse, a pessoas que nunca deram a mínima importância pra mim e concluí que construí minha prisão com as minhas próprias convicções e afetos não correspondidos. Pensei que soubesse algo sobre a vida e a natureza humana, mas veio o Universo e me mostrou que não. A liberdade é não saber de nada, não se apegar, tudo o que vivi serviu para me ensinar a continuar aprendendo, me transformar e seguir adiante.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

O que é bonito: a estética da maturidade.




"Bonito é o que persegue o infinito, mas eu não sou..." Somos como a própria vida, que é finita, imperfeita e inacabada. A tomada de consciência da própria finitude marca a forma como concebemos nossa existência nesse mundo. Um dia nossos pais falecem. Aqueles pais que pensávamos que não morreriam nunca. Aí começamos a refletir sobre o que eles fizeram de suas vidas, o legado que deixaram, como eles poderiam ter sido mais felizes e tudo o que aprendemos com eles. E nós? O que estamos fazendo de nossas próprias vidas? O que as pessoas aprenderão através do nosso exemplo? Quanto tempo teremos para fazer as coisas que descobrimos ser realmente importantes para nós? A vida é como uma música que vamos compondo na medida em que a executamos. É uma obra de arte que tem hora pra acabar e nem sabemos em que tempo termina.

Mas o que então é bonito? O que é viver bonito? O que é ser bonito? Quem é bonito? Quando somos jovens o bonito é concreto e aparente. Ao ficarmos mais maduros nossa concepção de beleza passa a ser bem mais abstrata, passa a depender mais de conceitos formados através de reflexões. Viver bonito é ter qualidade de vida. Existir bonito é fazer o bem ao próximo. Aparentar bonito é habitar num corpo saudável, funcional e feliz. Mas e a vida? "É bonita, é bonita e é bonita"? 

Somos o que sobrou dos nossos erros. Os acertos só foram acertos porque erramos até acertar. Estudamos, ensaiamos, repetimos, nos condicionamos, realizamos. Traçamos metas naquilo que pensávamos que fosse o melhor, o correto e mudamos de ideia. Somos processo, estamos em construção, como poetizou o Papa Francisco. Tínhamos certezas que hoje não temos mais. Aprendemos a conviver com as mudanças e descobrimos que a vida está em permanente movimento de transformação. Percebemos a necessidade de adaptação constante, para dar continuidade ao movimento da vida e aí passamos a olhar mais para dentro de nós mesmos. Assim, o outro deixa de ter tanta importância, porque não é a feiura dele que determina a nossa beleza, nem o seu fracasso que garante o nosso sucesso, muito menos a sua tristeza irá balizar o tamanho da nossa alegria.

Não queremos mais gravações, mas sim o grito. Não acreditamos mais em coisas prontas, desejamos viver os processos. Lutamos contra o ontem e o amanhã, queremos o agora porque aprendemos que a vida é feita de agoras. Burrice é sacrificar o agora, então repensamos o significado de problema. Mudamos a concepção que tínhamos do que vem a ser uma pessoa de valor. Redefinimos nossas prioridades, valorizamos o tempo gasto com todas as coisas, desprezamos atitudes que antes valorizávamos, porque descobrimos que o foco delas estava do nosso lado de fora e que a felicidade tem mais que ver com estar bem do lado de dentro. Sabendo que um dia iremos, "mas fica a obra", não nos importamos mais com o que sobra, mas com o que ainda falta em nós.

Agora sabemos que o que antes poderia ser feio e ameaçador, na verdade é o que há de mais bonito: o instável, o desconcertante, o passageiro, o finito. Que a beleza da árvore é produzir flores e frutos. As flores murcham, os frutos apodrecem mas nem por isso deixaram de ser belos porque cumpriram com a sua função. A beleza é o processo em toda a sua inteireza e verdade. "Quero tudo que dá e passa, que se despe, se despede e despedaça."








segunda-feira, 18 de julho de 2016

"Nois enverga mais num quebra"





                           
Quando cursei o Mestrado em Gerontologia fui apresentada a esse conceito que até então nunca tinha ouvido falar: a envelhescência. Logo me interessei e comecei a pesquisar, refletir e escrever sobre ele. De imediato já me identifiquei como envelhescente. Explorar esse tema, na verdade, foi uma busca pessoal de ressignificação para minha própria vida.

Segundo Mário Prata, a envelhescência compreende a faixa dos 45 aos 65 anos e é um período situado entre a maturidade e a velhice. Ele a entende como uma preparação para vivenciá-la, assim como a adolescência, é uma preparação para vida adulta. Nunca gostei muito de estabelecer idades específicas para as fases da vida pela subjetividade que envolve esse assunto. Os termos infância, maturidade, vida adulta, velho, dão margem a vários tipos de interpretação. Infantil, por exemplo, indica que a  pessoa ainda não amadureceu o suficiente para garantir sozinho a sua sobrevivência em todos os níveis, inclusive o emocional. Ser adulto implica ter uma atitude responsável diante da vida. A idade cronológica não determina o grau de amadurecimento de ninguém, por isso realmente não gosto dessas classificações, além do que, mesmo havendo uma relativa coincidência dos processos vividos em cada uma das faixas etárias, penso que as tomadas de consciência são totalmente individuais e podem ou não surgir em qualquer idade. 

Vivemos numa sociedade que dita as regras de conduta adequadas a cada momento da vida e que supervaloriza o estágio da juventude. Ser jovem, parecer jovem é o padrão social ideal. Todo mundo, de alguma forma, quer ser e parecer jovem. E isso ainda é fortemente alimentado pela mídia, porque é uma forma de induzir ao consumo. A indústria da beleza, do lazer, a farmacêutica, a médica e tantas outras, sabem explorar muito bem essa necessidade que as pessoas têm de parecer e se comportar como jovens por isso estar associado a status e aceitação social. Só que não existe um modo específico de ser jovem, mas sim, a criação de um ideal de juventude que também não corresponde à realidade que a maioria dos jovens vive.

Na infância atual, as crianças consomem como “jovens” e seu modo de vida é bem diferente ao das gerações anteriores. Os jovens, por serem jovens mesmo, hoje estão aflitos por também não se enquadrarem nesse ideal que a mídia propõe. Adulto, entendo muito mais como uma atitude diante da vida do que como faixa etária. É ser independente, se garantir, por isso a gente vê tanta criança adulta por aí. Maturidade já é um pouco diferente. Requer uma dose de sabedoria, um aprendizado que se adquiriu através das experiências vividas. E a velhice é declínio. Por mais que tentem convencer aos idosos que eles estão na “melhor idade”, todos sabem que isso é uma grande mentira. Por melhor que seja a cabeça do velho, só o fato de ter que conviver com um corpo mais frágil e menos belo, já torna a velhice particularmente difícil. 

A envelhescência é o período em que a pessoa já entendeu que não é mais jovem, mas que também ainda não ficou velha. Não temos mais a mesma aparência, o mesmo metabolismo, a mesma disposição, os mesmos prazeres, as mesmas metas, as mesmas preocupações de quando éramos jovens. Não somos mais tão agressivos nem competitivos, percebemos que não temos mais o perfil ideal para um montão de coisas, inclusive trabalho. Muitos de nós já vimos nossos pais falecerem ou estamos acompanhando a velhice deles. Observando a velhice de pessoas significativas de nossas vidas refletimos sobre o nosso próprio processo de envelhecimento e começamos a questionar o que é possível fazer para “chegar lá” da melhor forma possível. Diante disso, passamos a ser menos manipuláveis e mais críticos. Começamos a selecionar as coisas que realmente consideramos importantes, percebemos que estamos no meio do segundo tempo do jogo e que ainda dá pra virar o placar. Assim nos descobrimos num momento especial de força, nos tornamos mais estratégicos e agradecemos por ainda estarmos lúcidos, saudáveis e produtivos. Percebemos a necessidade urgente de mudar e sentimos que temos força pra isso.

A envelhescência tem sido o momento mais rico da minha vida. Depois de já ter me lamentado por não ser mais tão linda, por não estar mais na fase de ter filhos, por não ter idade para prestar certos concursos, por não ter o perfil ideal para algumas profissões, por não ficar bem vestindo vários modelos de roupas que gostaria, por ter aparecido aquela papadinha em baixo do meu pescoço, por ser chamada de senhora por homens que na verdade eu estava paquerando, ter sofrido na praia e por ter um bando de amigos dos meus filhos maiores de vinte anos me tratando como “tia”, após essa tomada de consciência, aprendi a dar risada e hoje me vejo muito mais potente do que em qualquer outra fase da minha vida. Percebi que nada do que vivi foi em vão e que ainda há um bom tempo para fazer valer todo o know how adquirido através muita cabeçada. Essa é a minha interpretação do que vem a ser a essência daqueles que se identificaram como envelhescentes. Já envergamos muito nessa vida, mas não quebramos. E o resultado é que, mesmo não nos reconhecendo como jovens, percebemos que estamos mais fortes, lúcidos, sábios e livres.