sábado, 1 de outubro de 2016

Dia do Idoso: o pioneirismo da geração madura

Dia do Idoso: o pioneirismo da geração madura


(*) Por Maria Celia de Abreu
Numa tarde dessas, estando ao telefone com uma jovem, pessoa vivamente interessada por assuntos da vida em geral, o tema rolou, na conversa, sobre as diferenças entre nossas gerações e, principalmente, as características de pioneirismo da minha geração. Ambas concordamos a despeito dos vinte e cinco ou trinta anos que nos separam, que pioneiro e pioneirismo são termos que vêm carregados de conotações positivas: sentimentos de orgulho, criatividade, ousadia, coragem e outros nessa linha. Quem tem hoje entre cinquenta e cinco, sessenta e cinco ou setenta anos, foi quem, aos vinte, conheceu a liberdade inédita que a pílula anticoncepcional passou a permitir às pessoas, acarretando as enormes transformações, que são bem sabidas hoje, no exercício sexual, nos valores vigentes na sociedade e até na estrutura da família. O conflito da jovem mulher – e de seu jovem companheiro de geração – era muito forte: de um lado, continuar seguindo com segurança (ou… covardia?) os mesmos moldes de comportamento que os pais e avós viveram, mas sem exercer a liberdade tão recentemente vislumbrada; de outro lado, usufruir das descobertas da ciência, mas sem ter padrões a imitar e tendo de bater de frente com os ditames morais e religiosos predominantes, o que causava enorme medo, e também gerava posturas excessivamente radicais. A opção era difícil, dolorosa e angustiante. A geração da minha jovem interlocutora já não enfrentou essas dificuldades, pelo menos não com tanta força; para quem tem hoje seus trinta, trinta e cinco anos, esses dilemas, se existiram, foram resolvidos em âmbito pessoal – uma questão de foro íntimo.
Nesta minha geração, foi sobretudo a mulher que sobressaiu por estar rompendo padrões. Tornou-se numerosa nas escolas superiores, incluindo-se em redutos tipicamente masculinos, como a engenharia e a medicina. Logo que entrava para a Faculdade, a jovem se punha a fumar em público: em sala de aula, em festinhas, embora nem sempre diante dos pais, pois isto era um desrespeito máximo em algumas famílias. (Infelizmente, até os anos 70 não se dispunha das informações que se tem hoje sobre o prejuízo para a saúde que esse vício provoca; quero crer que, se se soubesse desses dados, não se consideraria que uma moça fumando em público simbolizava elegância, sensualidade, ousadia, modernidade). A mulher dessa geração firmou-se no mercado de trabalho, reivindicando posições e salários até então pertencentes só ao homem.
Assumiu cargos até de chefia, familiarizou-se no trato com o dinheiro, abriu conta corrente pessoal no banco, tornou-se capaz de se sustentar. Dirigiu seu próprio carro, viajou sozinha, morou sozinha. Segura de si, começou a ter iniciativas de pedir divórcio se as condições do casamento não a satisfaziam. Desde então, até hoje, vem aparecendo num crescendo até em posições políticas, candidatando-se e sendo eleita. Claro que tudo isso não aconteceu sem sofrimentos, angústias, dor psicológica, desamparo. Sabemos que todas as coisas têm um lado de ganho, mas também um outro lado de perdas. Por exemplo, essa mulher passou a ser vítima de muitos mais problemas cardíacos, além de outros, até então “doenças de homem”, do que suas mães e avós, que se limitavam ao trabalho doméstico.
O pioneirismo do homem dessa geração, que compõe hoje a corte dos chamados adultos maduros, pode não ter sobressaído tanto como o da mulher, mas é evidente que ele também arrostou grandes novidades. Adaptou-se a novos costumes, pautou-se por novos valores, que eram estranhos aos seus antepassados. Adolescente, trocou as corretas meias brancas por escandalosas meias vermelhas, encontrou outras opções para vestir que não o paletó e a gravata, deixou os cabelos atingirem comprimentos impensáveis para seus pais e avós. Ouviu, tocou e dançou rock. E em seguida o twist, o hully-gully, os ritmos de discoteca e por aí afora. Passou a integrar um mercado de trabalho onde, além do fato novo de ter que lidar ombro a ombro com mulheres, às vezes até sendo chefiado por uma, a tecnologia começou a se aperfeiçoar a uma velocidade impressionante, até então desconhecida, e a produção de conhecimentos começou a jorrar aos borbotões, exigindo atualização permanente e flexibilidade, coisas que seus pais e avós não precisavam fazer. Evoluiu da máquina de escrever simples para a elétrica e desta para o computador; desde então, tem que dominar os novos programas que são criados em intervalos de tempo sempre muito curtos. Para propor mudanças e romper padrões, a geração pioneira passou por sofrimentos. Por exemplo, com frequência os pais foram desafiados e enfrentados e, é claro, as consequências (positivas e negativas) foram sofridas. Medo, desamparo, solidão, insegurança, incerteza, remorso, arrependimento eram sentimentos que coexistiam com o orgulho, o se sentir realizado, o idealismo.
Hoje, continuamos sendo pioneiros em compor uma geração que vai indo para a terceira idade novamente rompendo os modos de viver dos nossos antecessores. Parece que essa característica de pioneirismo é algo que não acaba jamais. Cá entre nós, ser pioneiro é cansativo e desgastante e parece injusto que continue para sempre. Quando penso nos pioneiros do Velho Oeste, me parece que eles conquistavam os territórios (a duras penas), se assentavam e podiam usufruir então de alguma rotina. Isso era mais do que justo. Podiam parar de batalhar e apenas colher o que haviam plantado. Para a minha geração, não houve a oportunidade de uma rotina; maduros, continuamos descobrindo vias inovadoras para nossas vidas. Depois de toda essa conversa ao telefone com minha jovem e estimulante interlocutora, comecei a pôr em dúvida se pertencer a uma geração pioneira foi tão vantajoso, tão motivo de orgulho assim… estar sempre desbravando e, portanto, sempre em conflito e em dúvida. Eu me pergunto com sinceridade se não foram mais felizes os que vieram antes de nós, com suas certezas, ou então os que vieram depois, com respostas já testadas. Porém, do fundo do coração, com toda a sinceridade, embora um pouco fatigada, eu não queria ter nascido em nenhuma outra época, pois não vejo como poderia ter sido mais emocionante, mais vibrante!



(*)Maria Celia de Abreu é psicóloga formada pela PUC/SP, onde completou o mestrado e o doutorado. Professora universitária por mais de 20 anos na PUC/SP, psicoterapeuta de adultos e fundadora e coordenadora do Ideac.

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