domingo, 21 de agosto de 2016

Três faces de um mesmo tempo.

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Vivemos todos em um mesmo tempo e não há quem consiga escapar do ritmo das horas. Contudo, a forma como cada um o interpreta e sente se distingue. Na antiguidade os gregos observaram que há formas diferenciadas para se vivenciar a temporalidade e trouxeram essas reflexões incorporadas à sua mitologia. 

O ser humano começou a percebê-lo através da observação de como o movimento dos astros interfere na natureza. Através dessa consciência, além de compreender e organizar melhor a própria vida, também teve que aprender a conviver com a própria finitude. Desde então a passagem do tempo se tornou seu maior conflito interno. Freud afirma que o medo da morte habita nas profundezas do inconsciente, e Jung, em seus últimos estudos, conclui que as religiões têm um papel importantíssimo na estruturação da mente por se fundamentarem na crença de um espírito imortal.  
O primeiro nível da compreensão do tempo, segundo a mitologia grega é o cronológico. Chrónos representa a passagem do tempo no sentido mais concreto e linear, a sucessão do antes para o depois, o tempo físico medido pelo relógio: passado, presente e futuro. Chrónos se apresenta como um Deus tirânico e cruel. Filho caçula de Gaia (Terra) e Uranos (Céu), recebeu de sua mãe uma foice para matar seu pai libertando todos os Titãs (ele e seus irmãos), que até então viviam presos à Gaia. Assim ele passou a dominar o mundo. Advertido que seria destronado por um de seus filhos, devorava-os ao nascerem. Zeus, um deles, foi substituído por uma pedra envolta em fraldas para que Chrónos o engolisse e cresceu distante de seu pai. Ao retornar lançou-o ao abismo do Tártaro e iniciou a linhagem dos imortais Deuses olímpicos.

A dimensão Kairós tem sido cada vez mais abordada, especialmente por conceitos religiosos que o situa fora dos padrões terrenos. Em termos religiosos Kairós é o tempo de Deus. Em grego o significado desta palavra é "oportunidade" que, em relação ao tempo, seria "momento oportuno". Kairós representa a percepção subjetiva da temporalidade vivenciada no tempo físico de Chrónos. Viver o instante é estar liberto de passado e futuro, assim somos capazes de perceber oportunidades e enxergar possibilidades com maior amplitude de visão. Em Kairós "o instante é mágico". Segundo o sofista grego Callistratus (300 a.C.)  É fácil de pegar quando se aproxima, mas passado o momento de ação, do mesmo modo expira, dessa maneira, se a oportunidade (Kairós) for negligenciada, não poderá ser recuperada.



Áion, que em grego significa "eternidade", é descrito como um deus distante e incorpóreo, que rodeia o universo, conduzindo a rotação dos céus e o caminhar eterno do tempo, aparecendo ocasionalmente perante Zeus sob a forma de um homem idoso de longos cabelos e barbas brancas, embora permanecesse a maior parte do tempo em forma de uma força que vai muito além do alcance do poder dos deuses mais jovens (SANGUISTA, 2015). Áion é aquele que existe desde o princípio, o tempo da eternidade, apartado das leis da física. Heráclito associa essa palavra à infância, à criança que brinca livre e descompromissada. Nietzsche no final da jornada de Zaratrusta, faz com que seu herói retorne a este estado, que é o do livre criador. Apenas dessa maneira ele será capaz de vivenciar a intemporalidade. 

Em Chrónos somos levados a lidar com a passagem do tempo admitindo que o passado não pode ser recuperado. Nessa dimensão o momento presente se esvai entre pretérito e futuro. Kairós aparece em nossas vidas quando, mesmo sujeitos ao tempo do relógio, nos libertamos de Chrónos e conseguimos vivenciar o agora em plenitude. Nele existe a abertura necessária para perceber e aproveitar a energia do instante, dessa forma passamos a captar com maior sensibilidade as tendências e oportunidades. Áion é o tempo da tenra infância que se reapresenta na velhice. Nele o sujeito está totalmente liberto de todas as concepções de temporalidade. Áion representa o início e o fim que se fundem através da criação e completam assim o ciclo da vida.



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