segunda-feira, 18 de julho de 2016

"Nois enverga mais num quebra"





                           
Quando cursei o Mestrado em Gerontologia fui apresentada a esse conceito que até então nunca tinha ouvido falar: a envelhescência. Logo me interessei e comecei a pesquisar, refletir e escrever sobre ele. De imediato já me identifiquei como envelhescente. Explorar esse tema, na verdade, foi uma busca pessoal de ressignificação para minha própria vida.

Segundo Mário Prata, a envelhescência compreende a faixa dos 45 aos 65 anos e é um período situado entre a maturidade e a velhice. Ele a entende como uma preparação para vivenciá-la, assim como a adolescência, é uma preparação para vida adulta. Nunca gostei muito de estabelecer idades específicas para as fases da vida pela subjetividade que envolve esse assunto. Os termos infância, maturidade, vida adulta, velho, dão margem a vários tipos de interpretação. Infantil, por exemplo, indica que a  pessoa ainda não amadureceu o suficiente para garantir sozinho a sua sobrevivência em todos os níveis, inclusive o emocional. Ser adulto implica ter uma atitude responsável diante da vida. A idade cronológica não determina o grau de amadurecimento de ninguém, por isso realmente não gosto dessas classificações, além do que, mesmo havendo uma relativa coincidência dos processos vividos em cada uma das faixas etárias, penso que as tomadas de consciência são totalmente individuais e podem ou não surgir em qualquer idade. 

Vivemos numa sociedade que dita as regras de conduta adequadas a cada momento da vida e que supervaloriza o estágio da juventude. Ser jovem, parecer jovem é o padrão social ideal. Todo mundo, de alguma forma, quer ser e parecer jovem. E isso ainda é fortemente alimentado pela mídia, porque é uma forma de induzir ao consumo. A indústria da beleza, do lazer, a farmacêutica, a médica e tantas outras, sabem explorar muito bem essa necessidade que as pessoas têm de parecer e se comportar como jovens por isso estar associado a status e aceitação social. Só que não existe um modo específico de ser jovem, mas sim, a criação de um ideal de juventude que também não corresponde à realidade que a maioria dos jovens vive.

Na infância atual, as crianças consomem como “jovens” e seu modo de vida é bem diferente ao das gerações anteriores. Os jovens, por serem jovens mesmo, hoje estão aflitos por também não se enquadrarem nesse ideal que a mídia propõe. Adulto, entendo muito mais como uma atitude diante da vida do que como faixa etária. É ser independente, se garantir, por isso a gente vê tanta criança adulta por aí. Maturidade já é um pouco diferente. Requer uma dose de sabedoria, um aprendizado que se adquiriu através das experiências vividas. E a velhice é declínio. Por mais que tentem convencer aos idosos que eles estão na “melhor idade”, todos sabem que isso é uma grande mentira. Por melhor que seja a cabeça do velho, só o fato de ter que conviver com um corpo mais frágil e menos belo, já torna a velhice particularmente difícil. 

A envelhescência é o período em que a pessoa já entendeu que não é mais jovem, mas que também ainda não ficou velha. Não temos mais a mesma aparência, o mesmo metabolismo, a mesma disposição, os mesmos prazeres, as mesmas metas, as mesmas preocupações de quando éramos jovens. Não somos mais tão agressivos nem competitivos, percebemos que não temos mais o perfil ideal para um montão de coisas, inclusive trabalho. Muitos de nós já vimos nossos pais falecerem ou estamos acompanhando a velhice deles. Observando a velhice de pessoas significativas de nossas vidas refletimos sobre o nosso próprio processo de envelhecimento e começamos a questionar o que é possível fazer para “chegar lá” da melhor forma possível. Diante disso, passamos a ser menos manipuláveis e mais críticos. Começamos a selecionar as coisas que realmente consideramos importantes, percebemos que estamos no meio do segundo tempo do jogo e que ainda dá pra virar o placar. Assim nos descobrimos num momento especial de força, nos tornamos mais estratégicos e agradecemos por ainda estarmos lúcidos, saudáveis e produtivos. Percebemos a necessidade urgente de mudar e sentimos que temos força pra isso.

A envelhescência tem sido o momento mais rico da minha vida. Depois de já ter me lamentado por não ser mais tão linda, por não estar mais na fase de ter filhos, por não ter idade para prestar certos concursos, por não ter o perfil ideal para algumas profissões, por não ficar bem vestindo vários modelos de roupas que gostaria, por ter aparecido aquela papadinha em baixo do meu pescoço, por ser chamada de senhora por homens que na verdade eu estava paquerando, ter sofrido na praia e por ter um bando de amigos dos meus filhos maiores de vinte anos me tratando como “tia”, após essa tomada de consciência, aprendi a dar risada e hoje me vejo muito mais potente do que em qualquer outra fase da minha vida. Percebi que nada do que vivi foi em vão e que ainda há um bom tempo para fazer valer todo o know how adquirido através muita cabeçada. Essa é a minha interpretação do que vem a ser a essência daqueles que se identificaram como envelhescentes. Já envergamos muito nessa vida, mas não quebramos. E o resultado é que, mesmo não nos reconhecendo como jovens, percebemos que estamos mais fortes, lúcidos, sábios e livres.

2 comentários:

  1. Curta essa fase em que vc se encontra,é muito boa, sinto saudades.

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    1. Obrigada, Jóia querida! Penso que nós duas estamos vivendo isso. Cada uma no seu momento. Beijos!

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