A aparente normalidade de nossas rotinas não nos prepara
para os eventos-limite da derrota, abandono, depressão, doença e morte. Olhar
esses acontecimentos com olhos de profundidade, antes que eles ocorram, nos
ajuda a ter lucidez quando se concretizam. Omitir a realidade deles é inútil.
Referindo-se à inevitabilidade da morte. Chagdud Rinpoche dizia, sorrindo: “antes de cair na água é necessário aprender
a nadar”. Na nossa cultura, a morte parece algo a ser evitado. Confrontados
com a proximidade do fim de nossos entes queridos, nos sentimos incapazes de
ajudá-los.
Parece insuportável
até mesmo ouvi-los. Impotentes, sofremos diante de suas dores e lamentos. Como
ajudá-los e a nós mesmos quando nos aproximarmos desse momento? Onde colocar
nossa mente e nossas emoções nessa passagem?
O que fazer quando entendemos que não poderemos mais ajudar nossos pais,
nossos filhos e nossos amigos queridos? Nesse momento, as habilidades quanto ao
funcionamento comum do mundo perdem seu poder.
Defrontamo-nos com o desconhecido, impenetrável à nossa
compreensão. Situações-limite ocorrem também durante nossa trajetória, quando
estamos doentes, derrotados, excluídos, impotentes. Parece não haver mais lugar
para nós na vida, que então se apresenta hostil e inescrutável. Quando uma
pessoa amada nos abandona, por exemplo, há um mundo que cessa. A dor da morte
nos invade. Tudo ao redor perde o sentido, o brilho e a cor. A própria
respiração é afetada. A energia vai embora. O futuro desaparece. O passado
muda.
O segredo dos mestres
é que o potencial de visão, lucidez e cura está em cada um de nós. O que as
estrelas no céu diriam das nossas dores e frustrações? Olhando a partir do
espaço longínquo, o próprio planeta parece diminuto. O que dizer dos seres
minúsculos e suas vidas, frustrações e dores flutuantes? Os mestres vivem no
espaço livre além das bolhas e de lá nos ajudam com sua visão. Mergulhados nas
realidades estreitas e suas aflições, perdemos a consciência até mesmo do céu
infinito sobre as nossas cabeças. A dor abarca a bolha onde estamos
mergulhados. Quando reconhecemos essas bolhas de realidade e sua ação, é porque
nossos olhos migraram para um lugar além delas e, portanto, além do sofrimento
inerente a elas. Magicamente há o renascimento, o momento em que voltamos a sorrir
e a energia passa a circular novamente. É como uma nova vida; talvez seja mesmo
uma nova vida.
PADMA SAMTEN é lama budista. Fundou e dirige o Centro de
Estudos Budistas Bodisatva, em Viamão, RS.
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